Noticias

Considerações do Engº Eliseu Macedo, sobre as decisões da Anacom a respeito da evolução da rede TDT.

Na sequência da consulta pública lançada em 18.01.13, o ICP-ANACOM estabeleceu outra consulta pública, referente ao projecto de decisão sobre a evolução da rede TDT.

Publico aqui considerações feitas no âmbito da segunda consulta, elaboradas pelo Engº Eliseu Macedo (com a colaboração do Engº Fernando Martins).

1) Introdução

É notório que o projecto contempla muito poucas, ou quase nenhumas sugestões apresentadas pelos respondentes à primeira consulta. Nomeadamente, o aumento da oferta de conteúdos no MUX A – sendo certo que tal modificação não depende do ICP-ANACOM – não teve uma única referência neste projecto de decisão, apesar da larga maioria dos respondentes ter apontado essa questão na recente consulta sobre os cenários futuros da TDT.

É com preocupação que vejo que não é dada a devida relevância à questão dos conteúdos para o sucesso da plataforma TDT, independentemente das questões técnicas relacionadas. Aliás, vale a pena recordar que tal como alguns respondentes afirmaram, muitos problemas técnicos teriam sido detectados mais cedo se a penetração do serviço fosse desde logo uma preocupação das entidades envolvidas.

2. Cobertura complementar

Não existem referências a quaisquer alterações propostas ao método de recepção por via complementar, vulgo DTH (via satélite). Aliás, é importante sublinhar algumas incorrecções existentes no relatório de consulta sobre os cenários TDT no que respeita à associação dos cartões de acesso com os receptores utilizados – na verdade tal não acontece, e mesmo que acontecesse, não era impeditivo do fornecimento em separado de cartões de acesso DTH específicos para TDT utilizando simulcript na emissão por satélite, com streams de dados acesso DVB (ECM/EMM) específicas para os clientes pagos da plataforma MEO e para os clientes FTV (Free-to-View) da plataforma livre TDT.

Isto é simples, de uso banal e corrente na Europa, virtualmente sem custos (as mensagens de autenticação EMM e ECM têm um débito muitíssimo baixo), permitindo assim o fornecimento de cartões de acesso em separado para utilização em receptores do mercado livre.

Sublinho que a stream de dados de acesso (ECM/EMM) que daria acesso aos programas da TDT, em nada estaria relacionada com os programas pagos MEO, não havendo qualquer possibilidade de pirataria desta última. Mas como digo, a plataforma MEO SAT nem sequer associa neste momento os cartões de acesso com os receptores. Adicionalmente, outras questões do foro burocrático não foram de nenhum modo abordadas, perdendo-se mais uma vez uma oportunidade para corrigir problemas no acesso à TDT via DTH.

3. Cobertura Terrestre

No que respeita à cobertura TDT por via terrestre, é interessante o ICP-ANACOM reconhecer que as metas de cobertura constantes no caderno de encargos para o MUX A foram efetivamente baixas, justificando-o com a utilização de SFN que é tecnicamente mais exigente.

Concordando totalmente com esta abordagem, mas estando o projecto de decisão a propor alterações ao Direito de Utilização de Frequência (DUF) do MUX A, diria que seria importante traçar um objectivo razoável para a nova rede MFN.

  • Será lógico manter no DUF o valor actual (cerca de 87%) quando a premissa inicial que lhe deu origem desapareceu?
  • Será lógico não alterar as obrigações de cobertura quando é utilizado mais intensamente o recurso valioso que é o espectro?

Apesar de encontrar no projecto de decisão indicadores de que a cobertura terrestre poderá de facto ser melhorada, era importante que a deliberação apontasse desde já um valor mínimo, por exemplo próximo dos 95% da população, tal como na anterior rede analógica.

4. Planeamento radio-eléctrico

Em relação à escolha dos canais radio-eléctricos constantes do anexo I do projecto de decisão, cabe-me alertar a Autoridade Nacional para vários aspectos.

Desde logo, a reutilização do canal 46 nas área de Bragança e Coimbra (Lousã) deixa-me com algumas preocupações. Tal escolha poderá ou não ser fonte de interferência dependendo da implementação prática, mormente no que toca ao sistema radiante, sobretudo se o emissor do Marão for utilizado. O emissor do Marão possuía grande alcance na rede analógica, captando-se em muitos pontos da área geográfica de Coimbra/Lousã.

De igual modo, o emissor da Lousã pela sua localização tem forte potencial de interferir noutras regiões, mesmo quando tentamos tirar partido (como parece ser o caso) do bloqueio provocado pela morfologia do terreno. Não sendo a zona do país mais sujeita a ductos, importa ainda assim ser muito cuidadoso com esta reutilização de frequência.

Já na zona do Alentejo e Algarve, na reutilização do canal 47 entre Portalegre e Faro, também me suscita algumas dúvidas, pois o bloqueio do terreno é algo reduzido e qualquer ducto, mesmo que ténue, provocará problemas. Estas são duas situações que por certo o ICP-ANACOM terá ponderado, mas alerto para não subestimar o potencial de interferência entre redes SFN de regiões distintas nem o alcance dos ductos.

Não é necessário existir linha de vista para o efeito dos ductos se fazerem sentir. Por definição, um ducto é um canal físico que se estabelece numa parte da troposfera a cotas que podem ser superiores às dos obstáculos.

 img1

Ilustração de formação de um ducto a alta altitude.
Fonte: http://www.dxfm.com/Content/propagation.htm

Onde o ICP-ANACOM terá que ter ainda mais atenção e muito cuidado com as frequências escolhidas é no Litoral Norte e na zona mais a Sul. Esta informação não esteve presente na consulta pública anterior e é muito importante.

Não obstante o ICP-ANACOM afirmar que estas frequências estão “devidamente coordenadas internacionalmente”, o facto é que – pelo menos no caso do canal 46 – já aconteceram problemas de interferências com Espanha logo no primeiro ano de operação. Talvez o ICP-ANACOM não tenha real noção da intensidade, alcance e frequência com que ocorrem os ductos na costa marítima portuguesa. Não pude deixar de responder a esta consulta pública para alertar fortemente o ICP-ANACOM para a realidade destas questões:

  • Frequência com que os ductos ocorrem na faixa costeira: todos os anos. Todos os anos, durante semanas a fio, por vezes meses até.
  • Alcance: centenas de quilómetros. Várias centenas quando são muito intensos. Para termos uma ideia, é possível captar Domayo (Vigo) todos os anos na Figueira da Foz. Santiago de Compostela capta-se com alguma facilidade no interior do distrito de Coimbra nos meses em que os ductos são mais frequentes.
  • Intensidade dos ductos: podem ter intensidades fortíssimas com intensidades de campo comparáveis a emissores principais próximos.

Já em 2012, logo no primeiro ano de operação do emissor MFN da Lousã, existiram problemas nas localidades de Vagos e Mira em que houve interrupção de serviço TDT no canal 46 devido ao MUX Galego na mesma frequência. Estas falhas foram mascaradas pelo fenómeno que atingiu com mais intensidade o canal 56 o que por sua vez afectou mais população, mas informo desde já o ICPANACOM que o canal 46 também foi afectado.

Na antiga rede analógica era possível verificar interferências de emissores distantes que por vezes tinham PAR bastante baixas, quer espanhóis, quer portugueses. Os ductos são portanto um enorme problema. Aliás, foi este o fenómeno que deu origem a toda esta reformulação da rede.

  • Estamos dispostos a cometer o mesmo erro duas vezes?
  • Torna-se absolutamente indispensável rever as frequências coordenadas com Espanha.
  • Terão os modelos usados sido os correctos?
  • Foram correctamente utilizados, isto é, foi levada em conta a zona geográfica com a devida correcção para propagação melhorada?

Apresento de seguida um mapa com alguns dos principais emissores espanhóis e respectivas áreas aproximadas por onde os ductos se fazem sentir (linhas a cheio). Estes emissores têm grande potencial destrutivo na rede portuguesa, pois estão localizados em zonas onde o fenómeno é muito frequente. Inclui-se também outros emissores próximos que podem causar problemas (a tracejado).

Apresento também as frequências previstas no plano espanhol, disponíveis aqui: http://www.minetur.gob.es/telecomunicaciones/es-ES/Novedades/Paginas/PlanMarcoActuacionesDividendoDigital.aspx

Principais Emissores Espanhóis Sujeitos a fortes Ductos em Portugal Continental

img2

Este mapa não pretende ser exaustivo, mas inclui ainda assim alguns dos casos mais clássicos de propagação sazonal a longa distância através de ductos. Com uma procura em www.youtube.com facilmente se encontrará inúmeros testemunhos gravados destes casos, tanto em analógico como em digital, sendo que o efeito destrutivo em digital é bastante menos tolerável.

Estão assinaladas a negrito algumas frequências previstas em Espanha que irão sem margem para dúvidas provocar problemas em Portugal. É importante referir no entanto que nem todas as frequências estão actualmente activas. Seja como for, se olharmos para o mapa, vemos como o Emissor da Lousã está rodeado de emissores espanhóis na mesma frequência. Mais grave ainda que o canal 46 – já que as antenas de recepção nas localizações mais susceptíveis terão orientações não coincidentes com a fonte do sinal interferente – é o um dos canais previstos em Santiago de Compostela para um MUX espanhol. Refiro-me concretamente ao canal 42.

Se no caso da Lousã temos mais distância e ângulos mais favoráveis, no caso de Santiago a utilizar a mesma frequência do emissor do Monte da Virgem (ou mesmo Vale de Cambra) será absolutamente trágico para a qualidade de serviço em a zona a Sul deste emissor (e não só).

Por agora este MUX espanhol não está activo, mas é importante também referir que Espanha está em pleno processo de libertação de espectro no âmbito do Dividendo Digital (banda dos 800 MHz) o que fará com que alguns MUXs tenham que passar para canais abaixo do canal 60. Sendo assim, o canal 42 poderá ser activado em Santiago em breve.

No entanto, em Espanha vive-se alguma agitação no que toca à reorganização espectral, com questões jurídicas que se misturam com técnicas e não é certo quantos e que multiplexers serão activados. Poderá ser a janela temporal perfeita para coordenar realmente com Espanha as frequências a utilizar, tendo em conta a frequência e intensidade com que ocorrem ductos na costa portuguesa.

5. Calendarização

A respeito da calendarização prevista no projecto de decisão para as 3 fases do processo de migração, não poderei estar de acordo com o proposto. Desde logo, se bem entendi, a fase I não corresponde a nenhum passo adicional para solucionar os problemas que subsistem na rede – problemas esses que inclusivamente voltaram a ser objecto de reclamação na própria consulta pública recentemente efectuada.

A fase I consiste basicamente em manter no terreno tudo como está. Mais apropriado seria chamar-se de “fase zero” pois não consiste em desenvolvimento da rede actual.

Em relação à fase II do processo é decepcionante toda a abordagem dada e o facto de não estar definido qualquer prazo limite. Como patente na consulta pública, é urgente solucionar os problemas de auto-interferência na zona costeira Sul e Algarve.

Seria de esperar que os emissores principais correspondentes às adjudicações de Palmela, Fóia, Faro/ São Miguel e possivelmente Mendro fossem activados no mais curto prazo possível (antes do Verão de 2013). Particularmente o emissor da Fóia, no canal 43, (após confirmação de não interferência co-canal) apresenta-se como o mais seguro para activação imediata, à semelhança da entrada rápida em funcionamento dos 3 emissores principais da zona Centro e Norte.

Perante esta necessidade evidente e tendo em conta que o ICP-ANACOM atribuiu já canais radio eléctricos abaixo do canal 49, seria de esperar uma acção rápida e eficaz para solucionar os problemas da rede. A única razão que se me afigura razoável para algum atraso seria a melhor avaliação desses mesmos canais radio-eléctricos no âmbito da coordenação com Espanha, tendo em conta o real impacto dos ductos durante uma grande parte do ano nesta região e as alterações possíveis no país vizinho em relação que está previsto.

Muito embora haja no ponto 4 do Sentido Provável de Decisão uma “porta” aberta a uma antecipação (em relação a que data?), a preocupação do ICP-ANACOM no ponto 3 parece estar mais centrada na libertação da frequência do canal 56 “quando houver um maior grau de segurança quanto à necessidade de implementação do dividendo digital 2” do que efectivamente proteger a população do impacto da quebra de serviço da rede actual em SFN.

A sensação que fica é que afinal a consulta pública sobre os cenários futuros da TDT tinha apenas em vista a libertação da faixa dos 700 MHz onde se situa o canal da actual rede SFN.

De qualquer modo, é difícil ter opinião positiva de um projecto de decisão que não aponta datas concretas, mesmo que limites, para a prossecução dum plano. Na verdade, se as datas que se vierem a concretizar forem para além de 2015, outras opções passam a ter legitimidade para serem apresentadas como por exemplo, a adopção do DVB-T2.

Entre outras melhorias que fazem deste sistema mais indicado para redes SFN, o intervalo de guarda do DVB-T2 pode ir até 448 ou 532us, mais do dobro da actual rede SFN em DVB-T aumentando fortemente a protecção à auto-interferência.

Se o plano afinal não começar a ser aplicado em 2013, e tendo em conta os futuros e expectáveis constrangimentos de espectro (nomeadamente quando Espanha começar a migrar os seus MUXs para frequências mais baixas) assim como os  conselhos” europeus para adoptar as técnicas de utilização espectral eficientes, esta poderá ser uma opção sensata.

Poderemos diminuir o número regiões (número de redes SFN), aumentando o seu tamanho na proporção da melhoria de protecção do DVB-T2 ou utilizar parte da margem para aumentar a capacidade do MUX A.

Referências:

O número de países que está a adoptar (e já a implementar) o DVB-T2 é avassalador e em 2016 ou 2017 os equipamentos da nova norma estarão por certo muito acessíveis, tal como aconteceu com o H.264. Mas mesmo que tal não viesse a ser verdade, existe uma solução muito fácil para compensar os utilizadores pela mudança de equipamento: utilizar finalmente de forma útil os cerca de 6 a 8 Mbps que estão reservados para um canal HD a preto que ninguém vê nem ninguém sabe o que significa ou qual o seu propósito no MUX A.

6. Atraso

Uma outra questão que continua por regulamentar é a questão do atraso do sinal TDT em relação ao evento ao vivo. Este atraso está desde o início acima de qualquer valor razoável e é de difícil compreensão. Devido às características intrínsecas dos algoritmos de compressão vídeo, as maiores contribuições para o atraso virão tanto da cabeça de rede (nomeadamente o video encoder) e da Set- Top-Box de recepção ou televisor com receptor integrado.

Mas observando com detalhe as características destes equipamentos, vemos que os atrasos incorporados por estes andam muito longe dos 6 a 7 segundos verificados no delay global da TDT. Como exemplo incluo de seguida um extracto da folha de características de um encoder vídeo H.264 profissional onde se pode verificar o atraso introduzido: cerca de 500 milissegundos.

Note-se que este nem sequer é um equipamento “state of the art”. Existem já encoders video com atrasos tão baixos como 100 milissegundos. Considerando para a descompressão na recepção um atraso “largo” de 1 segundo e algum atraso adicional para outros equipamentos na rede, podemos concluir que um atraso mais esperado seria algo na ordem dos 2 a 3 segundos.

Estando o ICP-ANACOM a fazer alterações ao DUF, penso que seria conveniente finalmente regulamentar esta situação impondo um atraso máximo de acordo com o tecnicamente possível.

img3

7. Custos

Quanto à preocupação com os custos das operações de migração de rede SFN para MFN, eu pergunto-me se uma migração de analógico para digital sem qualquer benefício para a população – mas com custos para estas – foi um impeditivo para que se realizasse o apagão analógico? De modo algum: o apagão realizou-se, a população – independentemente de o país estar numa grave crise – foi forçada a adquirir equipamento de que não necessitava até então para continuar a visionar os mesmos conteúdos de sempre, nalguns casos em piores condições.

E este processo teve ou não teve benefícios e para que entidades? Foi ou não possível libertar parte do espectro anteriormente utilizado para radiodifusão gerando enormes receitas para o Estado?

Existiu um compromisso simples: os milhões de euros que a população gastou em equipamentos para se adaptar à TDT sem mais valias permitiram o encaixe de muitos outros milhões nos cofres do Estado com a venda de frequências para comunicações electrónicas anteriormente utilizadas pela radiodifusão analógica.

Sem o esforço financeiro da população tal não seria possível, e está portanto encontrada a fonte de financiamento primordial para as correcções necessárias na rede TDT.

Quando se fala em minimizar os custos para o Estado, tenho pena de ter que relembrar – o Estado somos nós.

Filed under: TV digital

To Top