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A crise é que baralhou tudo: em 2010 até choveu mais e o PIB cresceu

O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, culpou a chuva pela queda acentuada do investimento no primeiro trimestre deste ano, sobretudo no setor da construção civil, levando este indicador a um recuo de 4% no Produto Interno Bruto (PIB).
Curiosamente, o primeiro trimestre deste ano não foi mais chuvoso que o de 2010, quando o PIB subiu uns ligeiros 1,8%.

Em janeiro deste ano, a precipitação foi de 146,7 milímetros (mm), caindo a pique em fevereiro e subindo novamente para 222,1 mm em março. Em 2010, foi de 175 mm em janeiro e 187 mm em fevereiro. Só em março é que choveu mais este ano (222,1 mm), quando em 2010 a precipitação foi de 128,1 mm nesse mês.

Se os dados meteorológicos não confirmam as afirmações do ministro das Finanças, a Associação das Empresas de Construção e Obras Públicas e Serviços (AECOPS) também não o faz. “Se tivermos que estabelecer alguma ligação entre as condições climatéricas e a produção do setor, temos antes de dizer que a situação desastrosa se deve, isso sim, ao ‘fenómeno meteorológico’ de ‘grande seca’ que tem vindo a caraterizar o investimento público em construção e que condiciona inquestionavelmente a procura”, afirma o presidente da AECOPS, Ricardo Pedrosa Gomes.

Acrescenta, ainda, que “estamos perante a maior quebra de sempre na produção no setor da construção, reflexo não de um, mas sim de 21 trimestres consecutivos de contração do investimento na atividade, designadamente no segmento de engenharia civil”.
Luís Bento, professor da Universidade Lusófona, também não encontra qualquer associação. “Parece-me uma desculpa para explicar o insucesso das previsões. Acho mais uma bizarria do ministro das Finanças”.

Já o economista João Loureiro afirma que não tem sentido fazer qualquer relação, “uma vez que a construção está em queda crónica há vários anos, o que não é surpreendente. Portanto, não percebo a relação”.

De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a quebra no PIB deveu-se sobretudo a uma diminuição mais expressiva do investimento em volume, que passou de -2,1% em termos homólogos no quartoº trimestre de 2012 para -16,8% no primeiro trimestre deste ano.

Utilizando os dados do investimento em volume (Formação Bruta de Capital Fixo, FBCF), conclui-se que os 2,9 mil milhões registados no setor da construção, no primeiro trimestre, estão muito abaixo, por exemplo, dos sete mil milhões do quarto trimestre de 2001 e dos 4,8 mil milhões de euros investidos no primeiro trimestre de 2010, o tal em que choveu mais do que em igual período deste ano.

Ainda assim, aquele volume de investimento no setor da construção civil representou mais de metade de todo o efetuado em bens duradouros (FBCF) pelas empresas residentes em Portugal. Segundo o INE, o volume total chegou aos 5,6 mil milhões de euros nos primeiros três meses.

A verdade é que o investimento caiu 40% nos últimos cinco anos, recuando 30% nos últimos dois anos, em resultado do travão a fundo colocado pelo Governo em grandes obras (caso do TGV) e das medidas de austeridade, decorrentes do Memorando de Entendimento assinado com a troika em maio de 2011, que afetaram a liquidez das empresas privadas.

Um dos sinais concretos da quebra no investimento no setor da construção foi ontem revelado pelo INE. No primeiro trimestre deste ano, foram licenciados 4,3 mil edifícios e concluídos 5,4 mil edifícios. Todas as variáveis em análise registaram os valores trimestrais mais baixos desde o primeiroº trimestre de 2001, precisamente o ano em que o investimento em construção atingiu o pico dos sete mil milhões de euros. O número de edifícios licenciados até março registou uma diminuição de 9,4%, enquanto nos edifícios concluídos os dados estimados apontam para um decréscimo de 20,7%.

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